Dos 10 aos 18 anos - Bom Jesus da Lapa - Adolescência confusa...

Vim parar num interior que nunca tinha ouvido falar. Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia. 70 mil habitantes. Não tem shopping, não tem nenhuma opção de lazer. Das duas uma: Ou você fica em casa e se vira com livros e sua imaginação ou vai pras ruas e se perde no mundo das drogas. Graças a Deus escolhi a primeira opção.

Logo de primeira detestei a cidade. Não tinha nenhum prédio. E eu sempre acostumado com Salvador, só via prédios em todos  os cantos, e sempre morei em um. Tudo bem que agora morava numa casa com piscina (que sabia que usaria bastante) mas mesmo assim não conseguia me sentir entusiasmado com nada. Totalmente sem amigos e entrando no meio da 2ª série, onde todo mundo já tinha suas panelinhas e ninguém me conhecia. Claro que sofri. Poucas pessoas se interessaram em fazer amizade com o "menino que veio de salvador". E desde pequeno era chamado de viado, bichinha, gay e outros apelidos que só mais tarde entenderia que não são ofensivos.

No primeiro ano, vivia dentro de casa. Se eu tinha 4 "amigos" era muito. E como não tinha muito o que fazer, era indo pra casa dos amigos assistir filmes e brincar, mas tinha que voltar antes das 18hs, porque a cidade embora fosse pequena era meio perigosa a noite. Me lembro que a maioria das pessoas que me conhecia achavam que eu era rico, porque minha casa era demasiadamente grande. Me incomodava o fato delas acharem que eu sou rico, porque eu não era. Meus pais tinham dinheiro suficiente pra gente levar uma vida boa, mas não ostentávamos riqueza. Minha família sempre me ensinou a ser humilde. Dar bom dia para todos, e isso inclui as moças da limpeza (com quem sempre faço amizade - até hoje).

O ensino do interior era diferente do ensino da cidade grande. Acostumado com as provas difíceis e os desafios da escola de Salvador, me vi tirando notas muito boas no interior onde o ensino parecia ser mais facilitado. Claro que isso ajudou para outras pessoas sentirem raiva de mim. Mas tudo bem, continuei sendo eu mesmo e tentando fazer novas amizades. Sempre fui bastante comunicativo e autêntico, não é a toa que todo mundo sempre diz que o curso que faço agora é minha cara. Bom, vamos voltar...

Sempre gostei de ler, então como não tinha muita coisa pra se fazer no interior, quando não estava estudando ou brincando (andando de bicicleta, soltando pipa, na casa dos amigos) estava lendo livros para literalmente viajar sem sair do lugar. E nessa pegada, me tornei um leitor ávido. Muita gente chegou a me elogiar pela pouca idade mas por saber escrever bem, me expressar bem e etc. Redação na escola era uma das minhas matérias preferidas. Além de história, inglês, português, geografia... Nada de cálculo! Cancela número da minha vida!

E eu sempre fui tão inocente quanto aos meus sentimentos... Sempre achei que falar o que eu estava sentindo era o melhor jeito de se conquistar alguém. Ah, que doença esses joguinhos sociais de paquera que inventaram. "Não dê tanta bola pra ela, senão ela não vai te querer." "O segredo é ignorar, pisa que elas gamam." Francamente, nunca entrou na minha cabeça de como isso poderia dar certo, então eu sempre fui sincero. Quando gostava de alguém, me declarava. Cartinha, chocolate e até flores se fosse possível. E sempre saía ridicularizado. Acho que com 13 anos coloquei na cabeça que não ia mais gostar de ninguém pra não ficar sofrendo. Mal sabia eu que a gente não manda no coração né...

Minha primeira namorada foi uma menina chamada Mirela. Só pra você ter noção de como éramos inocentes, ela estudava no mesmo colégio que eu, era um ano mais velha e a gente marcou de sair pra pracinha da cidade (único lugar de entretenimento porque tinha uma sorveteria), tomamos sorvete, pedi pra namorar com ela e ela aceitou. SEM BEIJAR SEM NADA! Pra mim não fazia diferença. Eu gostava dela e ela dizia que gostava de mim. Já era mias que suficiente. Quando ela contou pra mãe dela, a mãe disse que ela só poderia me beijar quando fizesse 15 anos. (PS: ELA TINHA ACABADO DE FAZER 14). Bom, como eu gostava dela, estava disposto a esperar um ano. (Risada alta, não acredito que passei mesmo por isso.) E durante um ano a gente saia junto, andava de mãos dadas, ficava horas no telefone, assistia filmes juntos e sem beijar. Claro que a cidade inteira ficou sabendo disso. Interior né? Ninguém tem vida própria. Aí começaram a dizer: "Daniel e Mirela namoram de fachada, eles só querem dizer que namoram pra esconder o fato de que ele é gay e ela é sapatão." Rapaz, a primeira vez que ouvi isso fiquei em choque. Como as pessoas podiam ser tão maldosas? Minha namorada não era lésbica. Disso eu podia ter certeza.

Ao mesmo tempo eu ficava tentando entender porque tanta gente achava que eu era gay. Será que era porque eu tinha voz fina? Ou porque não beijava minha namorada? Ou porque eu só andava com as meninas? Mas os meninos eram insuportáveis. Só sabiam brincar de bater. Por mais que eu tivesse feito caratê, não sentia vontade de ficar batendo/apanhando o tempo todo. Bom, deixa o povo ser maldoso pra lá. Eu to namorando com uma menina e eu gosto dela. Isso que importa.

Um ano se passou e o aniversário de 15 anos de Mirela chegou! Finalmente! Fé no pai que esse beijo sai! A CIDADE PAROU! Eu juro. Todo mundo queria ir pro evento tão aguardado. Todos queriam estar naquele aniversário para ver o beijo, que provavelmente seria depois da valsa. (O pai dela não estava nada feliz com todo aquele rebuliço em torno da filha dela beijar o namorado.) Então tá. Fui no salão, me arrumei como um príncipe, dançamos a valsa, fiz uma homenagem pra ela com um slide que acabaram não passando mas tudo bem.  O que importava era o beijo. Eu finalmente ia beijar minha namorada depois de um ano.

No fim da valsa, todo mundo começou a gritar: BEIJA, BEIJA, BEIJA, BEIJA, BEIJA e aí...

Ela saiu correndo.

Um coro de desapontamento veio do público, não era pra menos né amores. Fiquei vermelho de vergonha. Será que depois disso tudo ela não queria me beijar? Bom, fui atrás. A tia dela me disse que era pra eu esperar, que ela ia trocar de roupa depois da meia noite que não sei o que. Enfim, esperei, ela saiu, deu atenção a todos os convidados e eu fiquei atrás dela feito um idiota. Muita gente rindo da minha cara e eu fazendo de conta que não estava nem ai. Continuei ali.

Duas semanas se passaram, a gente continuava se vendo na escola e nada do beijo sair. Não tive coragem de chegar pra ela e dizer: "COMO É MINHA FILHA? VAI ME BEIJAR OU NÃO? BORA LOGO AI!!!". Então eu resolvi terminar porque senti que esse beijo não ia sair nunca. E não saiu mesmo. Fiz uma carta enorme com duas páginas falando o quanto eu gostava dela mas que não dava mais, fazendo parecer que o motivo não era só por causa do beijo (e não era, ela não demonstrava mais que gostava de mim, no fim ela estava comigo mais por comodidade. Tipo, já tô aqui né? Deixa assim.)
Na saída da aula, entreguei a carta a ela, disse: "Só lê quando chegar em casa ok?" Dei um beijo no rosto dela e fui embora. Me lembro que a primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi mudar meu status de relacionamento do Orkut pra solteiro. Foi libertador. Apaguei todas as nossas fotos juntos e acabei sem beijo. Sou paciente, não trouxa. Bom, talvez só um pouco kkkkkk.

Minha melhor amiga, Émille, e eu, sempre fomos grudados desde quando cheguei em Bom Jesus da Lapa. Ela foi uma das primeiras pessoas a ir com a minha cara no ensino fundamental e continuou sendo minha amiga (da mesma série que eu) até o 3º ano. Éramos inseparáveis. Me lembro que a própria Mirela tinha ciúmes da gente, mas ela sabia que se me dissesse pra escolher entre ela e minha amiga, eu ia preferir Émille. Eu sempre dei mais valor às amizades do que as namoradxs. E sempre quando alguém vem com esse papinho de "Ou ela ou eu" eu sempre escolho ela, independente de quem seja, porque detesto esses ultimatos.

Chegou 2012, eu tinha entre 15 e 16, e estava a muito tempo sem beijar. Anos. Claro, tendo em vista que meu último relacionamento tinha sido um fracasso... E coloquei na cabeça novamente que ninguém gostava de mim e que eu ia ficar sozinho pro resto da vida. Hoje eu vejo que as verdades que a gente acredita na adolescência são tão reais pra gente na época, sendo que muitas vezes são besteiras. Mas pra mim naquele momento não era. Eu tinha certeza que não ia achar ninguém que me queria. Meus amigos todos pegando várias meninas nas festas de aniversário e eu lá com minha melhor amiga dançando até o chão. Talvez fosse por isso que eu não pegava ninguém. Eles todos ficavam no canto tirando onda de Bad Boy, bebendo refrigerante, observando as meninas. ATA QUE EU VOU PRA UMA FESTA PRA FICAR PARADO NUM CANTO! NÃO MESMO! Eu era sempre o que inaugurava a pista de dança, e com a companhia da melhor amiga, a gente nem ligava de passar vergonha. Prefiro mil vezes me divertir dançando do que ficar parado. E agir igual a eles não era garantia que eu ia pegar ninguém. Resolvi viver minha vida e desencanar disso de ter que pegar alguém.

Em agosto de 2012 teve um festival em Vitória da Conquista chamado Festival de Inverno. Já tinha ouvido falar mas nunca tinha ido. Naquele ano, uma das minhas cantoras preferidas ia se apresentar. Pitty! Falei com meu pai, nós tínhamos que ir. E fomos. Um frio do istopô. Pense numa cidade fria! Nunca passei tanto frio. Mas valeu a pena! Entre as atrações tinha Seu Jorge, Biquini Cavadão e Capital Inicial. Meus pais ouviam muito Capital quando eu era pequeno, então acabei gostando por tabela. Mas o show chegou a ser mais inesquecível que o de Pitty. Meu primeiro show de rock.
Eis que no meio da multidão tinha várias outras pessoas de Bom Jesus da Lapa. Meu pai encontrou um conhecido que tinha uma loja de computadores. Ele estava lá com a família. A mulher e a filha. E a filha se chamava Tamires. Pense numa menina linda e multiplique por 20. Era assim que eu a via. Puxei assunto, ela era um ano mais nova, fiquei afim de imediato mas não ia beijar ela na frente dos nossos pais. Bom, o importante é que nossos pais se conheciam. E ela morava na minha cidade.

Em novembro, eu já nem lembrava que Tamires existia. E ia inaugurar uma galeria (que a cidade toda tava chamando de shopping, mas eu sabia que aquilo não era um shopping, tipo, não mesmo. Eu venho de salvador, e vocês querem empurrar esse ambiente pequeno com algumas lojas pra mim dizendo que isso é um shopping? Ata.). Uma amiga minha (chamada Duda) me convidou pra ir nessa inauguração. Como não tinha nada de interessante pra fazer fui né. E adivinha quem tava lá? Sim, a menina do show de Capital Inicial. Tamires! A gente se reconheceu na hora, mas não lembrávamos do nome um do outro. E aquela inauguração passou de incrivelmente entediante para um evento inesquecível. Bom, pelo menos pra mim! Trocamos números de telefone e começamos a conversar. Uma semana depois marcamos pra sair. (Bem no dia do aniversário da minha mãe 17/11). Fomos pra praça, sentamos num banquinho, tomamos sorvete, estávamos conversando quando eu tive a iniciativa de beijá-la. CARAMBA FINALMENTE DEPOIS DE ANOS EU TAVA BEIJANDO NA BOCA DE NOVO, PO***!) - Desculpa, me empolguei relembrando. Depois desse dia maravilhoso, continuamos ficando por um mês e então a pedi em namoro.

Cara, foi lindo demais. Todo domingo eu ia pra casa dela de tarde pra gente ficar, os pais dela ficaram amigos dos meus e era um relacionamento inocente (versão com beijos e pegadas) e muito bonito. Todos diziam que nós éramos um lindo casal. E finalmente eu estava apaixonado de verdade. Como nunca tinha sido apaixonado por alguém antes. Eu amava aquela garota! Queria casar com ela e ter filhos. Eu via meu futuro ao lado dela. / Mas tinha um outro lado meu que sabia que estava faltando algo. Ela era perfeita, porque haveria de faltar algo? Será que eu era... Gay? Meu Deus, não! Deus que me perdoe. Eu frequento bastante a igreja, o padre sempre disse que é pecado, que homossexuais vão pro inferno. Que temos que seguir a bíblia. Juro que evitava pensar em como aquele menino do 3º ano era lindo sem camisa. Evitava ficar olhando porque não queria me permitir desejar um garoto. Calma aí. Você está namorando. Você está feliz com sua namorada. Pára com isso. É errado. Não. Não faça isso. Não procure video pornô gay. Não goste disso.

1 ano e 3 meses de namoro. Ela já estava decidida a transar comigo. Eu tinha 18, ela ia fazer 16 anos. Essa era a idade. Íamos perder a virgindade juntos. Descobrir juntos. Ia ser incrível. Mas não foi. Toda vez que ela falava de transar eu sentia que não queria. Ao mesmo tempo que conscientemente eu queria, meu inconsciente dizia: ATA! E foi tudo tão confuso. Eu amava ela mas não me sentia atraído sexualmente. Meu Deus, será que eu sou realmente gay? / Não querer transar foi um dos motivos pra gente ter terminado, entre outras ignorâncias e crises de ciúme da parte dela.

Terminamos.

Enquanto eu passei 3 meses chorando todos os dias sentindo a falta dela (mas não correndo atrás porque o orgulho não deixava), uma semana depois ela já estava com outro cara. Claro. Devia estar transando com ele. Tipo: "Se tu não quer, tem quem queira mané.". Fiquei tão mal com isso. (Passamos dois anos sem nos falar mas hoje em dia nos falamos de boa, ainda falamos do passado e como as coisas pareciam ser tão boas antigamente, e mais fácil.)

2014. Acabei meu terceiro ano. Ano de vestibular também. Meu pai já sabia que precisaria se mudar para feira de santana por causa do trabalho (de novo). Fiz vestibular em 3 universidades. Passei nas 3. Escolhi Publicidade e Propaganda na Unef. E estou aqui. Oi professor, tudo bom? kkkkk.

Calma que ainda não acabou!

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